A gastronomia e o jornalismo, por Felipe Pena
JORNALISTA Meu nome é Felipe Pena. Sou jornalista, professor da Universidade Federal Fluminense, doutor em literatura pela PUC-Rio, pós-doutor em semiologia pela Sorbonne e faço um risoto de frutos do mar muito apreciado pelos colegas da imprensa que frequentam a sala de jantar da minha humilde residência. A maioria insiste diariamente para que eu abra um restaurante, sugestão que nego com veemência, apoiado em um único argumento: não tenho formação adequada. Perdoe-me pela sinceridade, mas se você achou que o primeiro parágrafo foi irônico é tão preconceituoso quanto os jornalistas que se indignaram com a fundamentação do ministro Gilmar Mendes ao derrubar a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. Por que gritaram tanto ao ouvir a comparação entre jornalistas e cozinheiros? Por que se sentem superiores aos colegas da gastronomia? Por acaso somos melhores ou mais sofisticados? Talvez mais eruditos? Claro, nós lemos Balzac, Joyce, Proust, Foucault, Deleuze. Mas essa não é a bibliografia dos cursos de letras ou de sociologia? Pela lógica da obrigatoriedade, passaremos a exigir o diploma de letras para qualquer um que escreva romances ou se arrisque nas estrofes de um poema. Da mesma forma, só poderá exercer o pensamento crítico sobre a sociedade quem passar pelos bancos empoeirados das escolas de ciências sociais. Aliás, este epíteto – ciência – é parte do problema. Um problema que começa justamente na universidade. Nossos doutores da Academia falam despudoradamente em ciências da comunicação, mas onde está a ciência? Qualquer jornalista sabe que sua atividade está ligada a aptidões artísticas, ao bom e velho talento, a uma boa dose de coragem e, principalmente, à capacidade de se comunicar com o público. Claro que não é só isso: lidamos com técnicas específicas e com valores morais que afetam a sociedade. Mas isso também não é ciência e tampouco se aprende na universidade. Então, para que servem as faculdades de jornalismo? A resposta é simples: para aprender a fazer um bom risoto. Se você tiver alguns professores acostumados com o manejo das panelas e outros bem informados sobre os temperos, talvez alcance o objetivo. Mas só vai completar o aprendizado quando chegar à cozinha e tomar uma bronca do chefe: o chefe de reportagem. Infelizmente, o ambiente universitário contempla poucos professores interessados em gastronomia. Os pratos são servidos frios, não têm sabor. Falta pimenta e sobra chuchu na maioria das receitas. A Academia é um inverno de fome, mas é a vaidade dos cozinheiros que atrofia as glândulas gustativas. Os professores somos corporativistas. O verbo é inclusivo porque a crítica não me isenta de culpa. Na universidade, principalmente nos cursos de mestrado e doutorado, utilizamos uma linguagem hermética – escondida sob o véu de ciência – como estratégia de poder para perpetuar nosso lugar nas cátedras douradas da Academia. O discurso é claro: se você não me entende é porque ainda não alcançou o meu nível, mas se estudar muito um dia chega lá. Não é de estranhar que nossos alunos se sintam superiores. Afinal, ninguém fala em epistemologia ou em hermenêutica nos cursos de culinária. Sou favorável ao diploma de jornalismo, o que não significa defender a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão. Na introdução de um livro que publiquei em 2005 (Teoria do jornalismo, Ed. Contexto), tinha uma opinião diferente, mas acho que precisamos rever nossas conclusões sobre o tema. Se eu fosse diretor de um jornal, daria prioridade aos profissionais formados nas boas escolas de comunicação (aquelas que têm cozinheiros talentosos), mas não excluiria sociólogos, advogados ou economistas, cujas habilidades podem ser úteis ao jornalismo. Lá em casa, o risoto continuará a ser servido, mas o restaurante fica pra depois. Quando me formar em gastronomia, convidarei os amigos (se ainda os tiver) para ler o jornal que os garçons vão produzir. Só não sei se o editor-chefe será o sommelier ou o maître. Bom apetite!
* Texto escrito pelo jornalista Felipe Pena e originalmente publicado no Jornal do Brasil de 21/6/9.
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4 Comentários
Mário
Concordo. Não há motivo que justifique a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Por sinal, é grande o número de países onde o diploma não é exigido. Jornalismo não é ciência, mas arte e técnica, tem a ver com talento e habilidades que podem ser desenvolvidas várias formas. Frequentar uma faculdade é uma delas, mas não a única.
Anônimo
É uma vergonha ver o nome deste Professor associado ao nome da Universidade Federal Fluminense (UFF), que sempre formou excelentes profissionais. Realmente uma lástima, não o fato do Sr. Felipe Pena concordar com a não obrigatoriedade do diploma. Não estou julgando sua opinião. Mas a maneira debochada a que se refere aos jornalistas que estão "reclamando" pelos seus direitos, a desvalorização total do Ensino Superior e ao pedantismo que parece, pelo texto, ser a sua marca registradas.
Só uma dica: Caro Pena, não espere até se aposentar. Largue a sua cadeira "empoeirada" na Universidade e abra o seu restaurante, quem sabe como chefe de cozinha você não dá um bom Professor!
Bruno Dias
Sou aluno de jornalismo na UFF, fui aluno do Pena. A discussão é longa, e há argumentos sensatos e inteligentes de ambos os lados. Mas a abordagem simplista é o que mais me deixa indignado e, por vezes, até ofendido… O Pior é ver o nome da UFF exposto assim, pelo professor que menos representa a Universidade, na opinião da imensa maioria dos alunos. Procurem ler e saber o que pensam João Batista Abreu, Sylvia Moretzsohn, Alceste Pinheiro… nomes que representam o jornalismo da UFF com muito mais propriedade.
Mário
Nada sei do professor Pena. Nem sei o que quer dizer esse negócio de professor "representar" universidade. No meu entender, professor representa é a si mesmo, o seu trabalho e suas idéias. Quem é que define esse "grau de representatividade" dum professor? Agora, além do diploma, vão exigir "representatividade" para quem queira escrever em jornal? Além disso, o professor Pena em nenhum momento se apresentou como representante da UFF. Apenas expôs seu ponto de vista. O fato é que suas considerações foram corretas. Ainda não me deparei com nenhum argumento razoável pela manutenção da obrigatoriedade do diploma.